Obviamente, não é apenas este tasco que faz a devida vénia ao cumprimento de uma década sobre o evento "O.K. Computer". Vale a pena espreitar o assinalar da efeméride pelo sítio Music By Day, com vídeos de performances ao vivo de todas as músicas do disco, com excepção para o tema Fitter Happier).
Se Paranoid Android é a peça charneira do disco, o seu resumo musical em seis minutos e qualquer coisa, Fitter Happier é o coração. Um coração de classe média, com a voz sintetizada da plataforma de um Macintosh. Cristaliza-se a metamorfose do homem em máquina, que resume o sentir global do disco, repleto de slogans do tão em voga "viver saudável". Consta que o piano que podemos ouvir em fundo foi criado por Thom Yorke, em estado ébrio.
Do maquinismo eléctrónico de Fitter Happier passa-se para o pulsar vivo de Electioneering. O riff rock excitante, saído da guitarra de Jonny Greenwood, dá o tiro de partida para uma verdadeira montanha russa musical. A guitarra de Greenwood é, aliás, o que mais sobressai da música: enquanto Yorke canta magistralmente o refrão «When I go forwards/and you go backwards/and somewhere we will meet...», Greenwood faz com a sua guitarra, exactamente, tais percursos. Uma ideia simples, mas de uma eficácia tremenda.
A onda de excitação é quebrada com a hipnótica e demencial Climbing Up The Walls. As guitarras que faziam a faixa anterior (assim como o baixo) são agora substituídas por sintetizadores, que apenas são acompanhadas por cordas na sua parte final, num arranjo orquestral estranhíssimo - segundo J. Greenwood, inspirado no trabalho do compositor e maestro polaco, Krzysztof Penderecki. Os violinos não estão a tocar exactamente a mesma nota, mas notas separadas por quartos de tom, num efeito assustador, para o qual também concorre a voz de Yorke.
A pura pop de No Surprises toma então o seu lugar, naquele que seria o terceiro single extraído do disco. Música mais simples no catálogo dos radiohead não existe. Um arpejo de guitarra, tocada com o capodastro no 15.º trasto, é o pano de fundo para toda a ode a um estilo de vida simples, sem stresses ou pressões urbano-depressivas. Mais um vídeo excelente, realizado por Grant Gee (realizador do documentário de 1998, "Meeting People is Easy", sobre a digressão de promoção a este mesmo disco), em um só plano, sem cortes, e que servirá como prova da resistente caixa torácica de Thom Yorke, que serve não apenas para suster e vibrar a sua voz ou aclarar os falsetes.
Passam já dez anos sobre aquela que é, talvez, a melhor obra prima musical dos últimos 30 anos. Um disco que marca uma geração de músicos e melómanos, com música intemporal, superiormente escrita e arranjada e com a produção insuperável do então desconhecido Nigel Godrich, que havia assistido John Leckie na produção de "The Bends" (1995), e da própria banda. O disco pode ser visto como «O definitivo guia para a sobrevivência nas sociedades modernas ocidentais», com foco especial na pressão e alienação do ser humano, causada por uma evolução social e tecnológica, que processou informação excessiva em relação ao que o Homem consegue assimilar. A mecanização e automatização das acções humanas - já não resultado da vontade consciente da pessoa - vai sendo explorada ao longo do disco (como exemplos, Paranoid Android, Let Down, No Surprises e, por todas, Fitter Happier).
O disco começa com Airbag. A batida de Phil Selway e o riff de guitarra de Jonny Greenwood constroem a rede de sustentação para uma música que apresenta uma estrutura convencional de canção, estrofe/refrão. No entanto, todo o trabalho de guitarras e percussão que vai acontecendo em pano de fundo, como que uma parede sonora, é absolutamente impressionante, até que tudo se caotiza mais para o final, com o noise das guitarras e dos mais variados instrumentos de percussão utilizados e sons computorizados.
A seguir, chega o primeiro single de apresentação de "OK Computer", Paranoid Android. 3 músicas comprimidas e juntas numa, o que originou algumas comparações com Bohemian Rhapsody, dos Queen. Musicalmente, é uma espécie de junção entre uns Pink Floyd dos anos 70 e uns Radiohead de "The Bends"; liricamente, é inspirada na personagem Marvin, o boneco que podem ver na barra lateral direita (na versão cinematográfica de 2005), de "The Hitchiker's Guide to the Galaxy", do escritor britânico Douglas Adams. Não há muito a dizer mais sobre esta música, para além de que a considero a melhor música dos anos 90 e uma das melhores e mais inovadoras musicas de sempre. Tudo está pensado e executado ao milímetro. Os riffs das guitarras que vão dando os diferentes motes às sub-músicas são muito inteligentes, todos os sons que ouvem estão pensados ao milímetro e têm que escutar a músicas umas boas dezenas de vezes até os conhecerem todos. Desde a bateria clínica de Phil Selway, passando pela excelente linha de baixo de Colin Greenwood, os solos esfuziantes de Jonny Greenwood, o preenchimento de som por Ed O'Brien até à frágil e lindíssima voz de Yorke... está tudo lá. Ainda sobre esta música, impossível esquecer o seu assombroso vídeo, realizado por Magnus Carlsson, responsável pela série animada "Robin", cujas personagens são "estrelas" do vídeo.
E se uns maluquinhos se decidissem a fazer uma recriação em "dub" de um dos melhores discos de sempre, mais precisamente o "O.K. Computer" (1997) dos Radiohead? A coisa vai-se ouvindo bem até mais ou menos metade, mas depois a formatação da batida e guitarra "dub" começa a dar de si - ouvir esse retrato da vida citadina stressada, que transforma o homem em máquina, Fitter Happier, dito com um inglês de uma ilha das Caraíbas é, no mínimo, risível. No entanto, sempre fica a curiosidade. E, para quem tem este disco como um dos seus impreteríveis, sempre vai achar alguma piada à revisitação. Aqui fica a recriação de dois clássicos: Paranoid Android e Electioneering - um dos momentos musicalmente mais conseguidos do disco.
Dos mesmos malucos, existe ainda a revisitação de outro disco intemporal: "The Dark Side of The Moon" (1973), dos Pink Floyd. Aqui deixo a versão de outro clássico:
Money - Easy All-Stars "The Dub Side of The Moon" (2003)
Após várias tentativas e muita frustração de Yorke, a coisa lá saiu perfeitinha - como é possível ver no rockumentário "Meeting People is Easy" (1998)...
No Surprises, Radiohead "Ok Computer" (1997) Realizador: Grant Gee
Cantar e rir beatamente ao mesmo tempo não é tarefa fácil!
Foi o que eu fiz no dia 26.07.2002, no Coliseu do Porto, durante mais de duas horas! Se acham que Radiohead não é razão que chegue, desdenhem... Que concerto inacreditável! Por isso, aqui vai a música, em formato vídeo. O pormenor que me chamou mais a atenção é o que se passa aí aos 4'45'' do vídeo e dura uns 10 a 15 segundos. A cara de felicidade beata de uma menina da plateia, que se apresenta a cantar a parte "Rain down/ Rain down/Come on rain down on me/ From a great height/From a great height..."! Quando se pensa: «mas... aquela menina está cega!», o zoom abre e vê-se que aquela alegria é geral (os companheiros de fila também não conseguem parar de rir...). E aquela parte da música é triste como a noite!! Agora, imaginem aquela feliz beatitude... durante duas horas!!
Paranoid Android, Radiohead, O.K. Computer (1997) Performance de 25.05.2003, no Shepherd's Bush Empire, Londres
O disco O.K. Computer "mudou" a minha vida (e tenho que agradecer ao "Estebes" sem Metafísica por isso). Eu era um "ressacado" do grunge, um rockeiro inveterado, e esta música tirou-me as "palas" da cabeça... Um admirável mundo novo. É, para mim, um dos melhores discos de sempre, sem dúvida. Do princípio ao fim, é uma obra prima. Nada se pode ali pôr ou tirar. E mais não digo... porque se começo a falar deste disco... nunca mais me calo!!
Para acabar, a mesma música, mas na versão do pianista jazz Brad Meldhau, no disco Largo (2002). Uma ENORME versão.
Se alguém tiver qualquer experiência que ache que valha a pena contar sobre a música, o disco, a banda ou concertos da mesma, esteja à vontade para mandar um feedback. Não custa nada. E é bem melhor que ter Testemunhas de Jeová à porta ou uma doença venérea, certo?!