O visado definiu "Lucky Three: a Portrait of Elliott Simth" como sendo «um cruzamento entre um vídeo e um documentário, não sendo na verdade nenhum dos dois». É um pequeno filme de 11 minutos realizado por Jem Cohen, no qual Elliott Smith faz performances 'live' de Between The Bars e Angeles, que viriam a ser incluídas no monumento lo-fi "Either/Or" (1997), com a canção Thirteen (original dos Big Star de Alex Chilton, no ano de 1972) de permeio.
"Lucky Three: a Portrait of Elliott Smith" (1997) [Gravações: Outubro de 1996]
Dylan esvaziou os bolsos mais uma vez, tirando de lá os "trocos" de quase 20 anos. Faz um duplo, o 8.º tomo das Bootleg Series, e deixa-nos completamente desconcertados com a qualidade e homegeneidade do material, entre o folk, o country e o blues. Repare-se só nestas três canções que não tiveram lugar no excelente "Time Out Of Mind", de 1997 - se bem que Mississippi acabou por ser regravada e fazer parte do disco seguinte, "Love and Theft" (2001).
Há tipos que não são muito normais, há gajos muito anormais, há o sujeito mais anormal do mundo e depois há esta dupla: Komar & Melamid. Ora, estes tipos propuseram-se a uma estranha aventura: criar, cientificamente, a música mais irritante do mundo, assim como a mais desejada. Fixos no fito comum, os gajos com o aspecto distintíssimo que podem ver acima colocaram uma sondagem online, em 1996, na qual perguntavam aos ciber-transeuntes quais os elementos musicais que mais os atraíam /repeliam e, de acordo com as respostas, construir a composição que provocasse mais conforto/desconforto no ouvinte. Seguidamente, a dupla chamou o compositor Dave Soldier para transformar os dados em som. Daí resultaram duas obras, The Most Wanted Song e The Most Unwanted Song - The People's Choice Music. Ora, todo este método (supostamente) científico é discutível. Muito mesmo. Desde logo, pelo questionário, com perguntas pouco distanciadas do resultado que se pretendia atingir, entre outras objecções. Passando isso à frente, concentremo-nos nos resultados finais - curiosos, no mínimo. Quanto à música "mais desejada" diga-se que é um enfado pegado em 5 minutos. Sem pés na cabeça. Segundo as pessoas que responderam à sondagem, música "da boa" tem um feel suave entre a pop e a soul, uma voz feminina afinada mas indistinta, uma voz masculina rouca (neste caso, muito próxima de um Kenny Rogers), um sax supremo coladíssimo a Kenny G. (a sério!) e um solo virtuoso da guitarra (e, tire-se o chapéu, convocou-se um verdadeiro virtuoso para a função: Vernon Reid). A música menos desejada é bem mais interessante. A começar pelo dissecar da coisa. Primeiro, a coisa tem mais de 20'! E, nesse tempo todo, não se optou pelas dissonâncias, que seria uma saída expectável. Há um coro de putos a cantar coisas desnexadas, seja sobre o Dia dos Veteranos, seja sobre o Dia do Trabalhador ou os feriados e ocasiões religiosos (o cristão Natal ou o Yom Kippur judeu), com uma mensagem publicitária final («faça as suas compras no Walmart!»), há rap-ópera por uma soprano (juro!), há bluegrass e muitas outras coisas. Ainda que não seja uma audição simpática - consegue ser bem agreste, acreditem! -, a verdade é que a sucessão estapafúrdia destes elementos sempre vai desenhando um sorriso na nossa cara, seja ele sincero ou de comiseração.
Ora, aqui ficam os resultados da "pesquisa" de Komar & Melamid...
Estava aqui a pensar qual teria sido a última vez que vi um bigode no Porto e como essa informação podia muito bem ser importante, em termos de preparação para eventos vindouros, e, assim de repente, só me lembrei do Manel Cruz...
Só os mais distraídos é que desconhecerão que os de Bristol começam a tournée europeia aqui pelo burgo no próximo mês de Março, com dois concertos nos Coliseus: dia 26 no Porto e 27 em Lisboa. Quanto ao novo disco, a sua edição está prevista para o mês seguinte.
Giving up the Hero - Zita Swoon "Music inspired by Sunrise, a film by F.W.Murnau - a 1996 Score" (1997)
«I'm giving up my trespass, I think I'll sit upon my roof I think that's High enough for me to crawl I think I don't need any proof
I'm giving up the hero, I think I'll hang around In this same old town, I'll put my money down
And I, I was in a movie I was on the run I been in everybody shoes I had my fun I'm getting of your turnpike I think I need relief The dirttrack that I trust in Is good enough for me»
Depois de ter mostrado uma parte do lado instrumental dos Moondog Jr., os mesmos, já sob o definitivo nome de Zita Swoon e o seu primeiro lançamento: uma banda sonora para o clássico "Sunrise: A Song Of Two Humans" (1927), do realizador alemão F.W. Murnau. Como filme belíssimo e intemporal e dos tempos anteriores ao "sonoro", "Sunrise" ou, em português, "Aurora", teve já múltiplas bandas que se propuseram a fazer a sua própria banda sonora, dos Lambchop aos Zita Swoon. Em Portugal, vi (no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra) a banda sonora que a Orquestra Láudano do ex-Belle Chase Hotel, Luís Pedro Madeira - belíssima, belíssima. Refira-se que a banda sonora original do filme é de Hugo Riesenfeld. Concentremo-nos, então, nos Zita Swoon, cuja proposta de banda sonora é parcialmente cantada - se bem que, pelo nome da rubrica, já perceberam que o lado cantado terá de ficar para mais tarde... A primeira escolhida é a música dos créditos iniciais; The Waiting é belíssima; Trip to the City é uma excelente música que só pode dar boa disposição (e um dos meus toques de telefone), enquanto que Peasant Dance pega no tema de Trip to the City e dá-lhe a volta ao compasso e ao feel geral.
Se Paranoid Android é a peça charneira do disco, o seu resumo musical em seis minutos e qualquer coisa, Fitter Happier é o coração. Um coração de classe média, com a voz sintetizada da plataforma de um Macintosh. Cristaliza-se a metamorfose do homem em máquina, que resume o sentir global do disco, repleto de slogans do tão em voga "viver saudável". Consta que o piano que podemos ouvir em fundo foi criado por Thom Yorke, em estado ébrio.
Do maquinismo eléctrónico de Fitter Happier passa-se para o pulsar vivo de Electioneering. O riff rock excitante, saído da guitarra de Jonny Greenwood, dá o tiro de partida para uma verdadeira montanha russa musical. A guitarra de Greenwood é, aliás, o que mais sobressai da música: enquanto Yorke canta magistralmente o refrão «When I go forwards/and you go backwards/and somewhere we will meet...», Greenwood faz com a sua guitarra, exactamente, tais percursos. Uma ideia simples, mas de uma eficácia tremenda.
A onda de excitação é quebrada com a hipnótica e demencial Climbing Up The Walls. As guitarras que faziam a faixa anterior (assim como o baixo) são agora substituídas por sintetizadores, que apenas são acompanhadas por cordas na sua parte final, num arranjo orquestral estranhíssimo - segundo J. Greenwood, inspirado no trabalho do compositor e maestro polaco, Krzysztof Penderecki. Os violinos não estão a tocar exactamente a mesma nota, mas notas separadas por quartos de tom, num efeito assustador, para o qual também concorre a voz de Yorke.
A pura pop de No Surprises toma então o seu lugar, naquele que seria o terceiro single extraído do disco. Música mais simples no catálogo dos radiohead não existe. Um arpejo de guitarra, tocada com o capodastro no 15.º trasto, é o pano de fundo para toda a ode a um estilo de vida simples, sem stresses ou pressões urbano-depressivas. Mais um vídeo excelente, realizado por Grant Gee (realizador do documentário de 1998, "Meeting People is Easy", sobre a digressão de promoção a este mesmo disco), em um só plano, sem cortes, e que servirá como prova da resistente caixa torácica de Thom Yorke, que serve não apenas para suster e vibrar a sua voz ou aclarar os falsetes.