E se se fizesse uma música aproveitando as impulsivas e compulsivas cartas de publicidade que nos entram pelas caixas de correio? E se essas toneladas de lixo fossem mesmo utilizadas para se fazer qualquer coisa de produtivo? E se servisse para fins musicais o que dizem, inflamadas e excitadas, aquelas pessoas que vão para um palanque de uma feira, com um microfone, preso por uma geringonça metálica ao pescoço, coberto por um lenço e ligado a uma colunas roufenhas, vendendo a chamada "pomada-jibóia" ou "banha-da-cobra"? E se se aproveitasse artisticamente o que aquelas meninas e meninos, senhoras e senhores, damas e cavalheiros que aparecem nas tele-vendas, de roupas impecáveis e dentes perfeitos que ofuscam as nossas pupilas com a sua brancura?
«"Impossible!", you say?... Hard To Believe? Perhaps out of the realm of possibility?»*. Pois saiba-se que já foi feito e com os costumeiros resultados brilhantes... Note-se apenas que a letra da música, hilariante, não aparece impressa junto com o disco "Small Change" (1976), antes aparecendo a seguinte mensagem:
«For the lyrics to 'Step Right Up' send by prepaid mail a photo of yourself, two dead cripping charlies, and a self addressed stamped envelope to: the Tropicana Motor Hotel, Hollywood, California c/o Young Tom Waits
De Gershwin a Tom Waits pode ser só um passo de distância.
O exemplo está nesta versão estranhíssima (ou seja, normal, como estamos a falar de Waits) da música Burma-Shave, do disco "Foreign Affairs" (1977), em registo spoken word, com o fundo musical do tema Summertime, da ópera "Porgy & Bess", composta em 1935 por George Gershwin, com letras de Ira Gershwin - irmão mais velho de George - e Dorothy Heyward.
Burma-Shave, Tom Waits Performance no Old Grey Whistle Test, em 1979.
Para acabar, deixo o belíssimo original de Burma-shave e a versão de Summertime, retirada da gravação em disco de algumas canções retiradas de "Porgy & Bess", por Louis Armstrong e Ella Fitzgerald.
Summertime - Louis Armstrong & Ella Fitzgerald "Porgy & Bess" (1957)